Parto da Jasmim

parto da Jasmim
Eram 4h30 da manhã quando fui acordar o meu marido. Eu ainda não tinha pregado olho. Na noite anterior jantamos na casa de uns amigos onde aconteceram algumas peripécias engraçadas, mas longe de imaginar que entraria em trabalho de parto poucas horas depois. Nessa noite, e já na casa dos nossos amigos, reparei que a Julieta estava muito sensível e a pedir mais mama do que era normal naquela fase. Choramingava muito e pedia para mamar. Acedi, e acabou por adormecer no meu colo, algo invulgar uma vez que normalmente dedicava-se mais à brincadeira com as filhas deles que têm a idade das nossas. Acordou do sono ainda no meu colo e fez xixi em cima de mim, ouvi alguém na sala perguntar se as minhas águas tinham rebentado, não tinham, mas eu própria, por uns segundos, fiquei na dúvida.
Tivemos de trocar de roupa, a minha amiga lá arranjou um vestido que me servia na barriga de 39 semanas e lembro-me de ter comentado que a Julieta estava realmente sensível, senti mesmo que deveria estar a pressentir a proximidade do parto, ainda assim, não imaginei que em menos de doze horas teria a minha bebé nos braços.

Ficámos a conversar e elas a brincar até tarde. Viemos para casa, e nessa noite deitamo-nos todos juntos por volta das 2h. Todos dormiam mas eu não arranjava posição confortável. Levantei-me e fui alternando entre sofá, cama das miúdas, casa de banho. Não encontrava conforto e disposição para dormir, até que senti uma dor. Passou-me pela cabeça que poderia ser o primeiro sinal, mas aguardei. Fui para a bola (fit ball) já que não conseguia descansar. Voltei para a cama. E acho que para a bola novamente. A dor voltou e identifiquei que eram contrações. Espaçadas e dor moderada.

Como o parto da minha segunda filha foi relâmpago ao ponto de ter nascido em casa, e eu ainda tinha uma viagem de 50km para fazer até ao hospital, pelo caminho ir buscar a fotógrafa que iria registar o nosso parto, chamei o João, e passado uns minutos decidimos que era mais sensato irmos ao hospital. Se fosse falso alarme vínhamos embora. Se não tivesse tido um parto tão rápido anteriormente, teria tomado um banho e aguardado contrações mais dolorosas e menos espaçadas.
Liguei à minha mãe para vir dormir com as miúdas, à nossa Doula e à Fotógrafa, ainda que com algum receio de ser falso alarme. A minha mãe veio cheia de energia nem parecia que tinha sido acordada a meio da noite, insistiu para que nos apressássemos a sair, ela que tinha visto a segunda neta nascer no parto anterior. A Mia – nossa Doula - disse-me "a tua voz está muito calma para quem está em trabalho de parto". Eu não tinha a certeza absoluta se seria demasiado cedo, mas todas nos preparamos e por volta das 6h estava a dar entrada na triagem, sempre com imensa vontade de ir à casa de banho. Fui encaminhada para a Obstetrícia onde me colocaram as cintas, aguentei uns minutos deitada, mas pouco depois pedi para ir mais uma vez à casa de banho. Estava no início da fase ativa do trabalho de parto, com cerca de 3 cm de dilatação, as contrações já estavam regulares e dolorosas.

A Mia chegou com a sua água termal refrescante, umas mãos e um olhar que eram casa. Umas semanas antes já tinha levado e discutido o meu Plano de Parto numa Consulta para esse efeito, e portanto, rapidamente as parteiras de serviço nesse turno, e nos seguintes, tomaram conhecimento dos meus desejos. Ficámos numa sala com janela e luz natural, ainda que eu tivesse preferido o quarto escurecido, apenas com uma luz de presença de forma a criar um ambiente acolhedor e familiar. Queria desesperadamente ir para o duche quente onde sabia que iria encontrar algum alívio para as dores que aumentavam de intensidade a cada contração.
Quando saía do banho, ia para o quarto e procurava posições e movimentos que me pudessem ajudar no alívio da dor durante as contrações. Mas na verdade, era o calor o meu verdadeiro aliado, e foi aqui que a Mia e o João uniram esforços e me proporcionaram todas as medidas possíveis. 

Na mudança de turnos vejo uma parteira com quem tinha cruzado na última consulta - mais uma cara familiar -, com a sua boa disposição e sorriso contagiantes irradiarem a sala. A energia dela encaixava na perfeição, naquele ambiente que se estava ali a viver.
Percebi logo que já tinha lido o meu Plano de Parto. Numa das minhas idas ao duche sugeriu avaliar a dilatação, hesitei, mas acabei por consentir. E o que eu temia aconteceu, 5 cm de dilatação às 9h40. Mental ou verbalmente, já não me recordo, questionei como era possível só ter dilatado no máximo 2cm com as contrações naquele ritmo e intensidade. Ainda faltava tanto para a dilatação completa! Como "só" tinha 5cm se dilatação, lá fui ao duche mais uns minutos, e foi aí que o rolhão saiu e as águas também devem ter rompido, ainda que com a água corrente não foi completamente visível.

A parteira ajudou-me a sair e regressei ao quarto agarrada nela. As dores tomaram conta de mim. Tentei apoiar os meus braços na cama, não sei se por eu ainda ter os pés molhados do banho ou se por não ter força para me segurar, mas não fui capaz. A dor era estonteante. Fui para o chão. A dor dominou-me, e conduziu-me. Eu fazia força, sentia tudo, era uma dor visceral! Até os pensamentos me doíam. Mesmo antes de fazer força para aquela que viria a ser a última contração, lembro-me com bastante nitidez de ter dito a mim mesma, vou fazer a força toda que tenho dentro de mim agora, porque eu não aguento mais isto! Estava a ser tão doloroso, tão intenso que eu só queria tê-la nos braços e acabar com a dor. E assim foi. Gritei como nunca. Não ouvia nada nem ninguém. A Mia disse que era uma menina, mas nem isso eu ouvi. Pari numa posição que nunca imaginei parir. Senti um alívio absoluto. Vi com os meus próprios olhos que era uma menina. Chorei a alegria de a ter, chorei a emoção daquele parto. Às vezes penso que este parto foi mais do que o nascimento da Jasmim. Foi uma gravidez difícil, que vivi na sombra da perda gestacional anterior. Creio que o parto da Jasmim, foi também a libertação do medo que até ali me inquietava.

Ajudaram-me a pegar nela e a levantar-me. O raio da miúda era perfeitinha, desenhada ao mais ínfimo pormenor.
Não sei de onde as minhas filhas vieram, mas é o olhar delas cheio de mundo que me arrebata. Fizeram-me mãe, com todo o meu esplendor e desordem.

Os dias são vividos um de cada vez, às vezes atropelados uns nos outros, com a certeza que tudo é vivido tão depressa, que é preciso saber aproveitar a viagem. E honestamente, essa é a maior dificuldade da maternidade. Ser mãe na pressa e exigência dos dias e da sociedade. É para isto que ninguém nos prepara. Por isso, o nascimento de um filho, deve ser preservado e protegido em toda a sua plenitude. Não há nada na vida que seja tão sublime e arrebatador, como trazer um ser humano a este mundo.

A Mia, Doula, foi incansável, uma presença que me transmitiu confiança e em parceria com o João conseguiram que o ambiente que me envolvia fosse descontraído e familiar. A Karine concretizou o meu desejo de ter um parto fotografado, num registo brilhante de cada momento. A Élia Dourado, foi a minha parteira, nunca mais me vou esquecer do sorriso dela. O registo fotográfico captou a sua essência, a ternura no olhar. A Patrícia Capela, EESMO de profissão e coração, sempre disponível e carinhosa.
O João, sereno, parceiro. Pensar que já temos três filhas e com tudo o que isso representa nas nossas vidas, eu ainda gostava de ter mais um. Quem sabe. Não vivo esta bebé como se fosse a última. Não quero que seja.

Ana Luísa Bárbara
Mãe • Fundadora da Braga Materna • Conselheira em Aleitamento Materno • Assessora de Lactação • Doula

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