O meu parto em casa

Passavam três dias das 40 semanas e pela Obstetra nem às 39 tínhamos chegado.

Era a minha segunda gravidez e eu sabia exatamente o que queria para o meu segundo parto. Estava fora de questão induzir o trabalho de parto - gravidez de baixo risco, mamã e bebé saudáveis. Eu ia entrar em trabalho de parto espontaneamente, assim que a minha bebé estivesse pronta para nascer. Era uma decisão que só a mim e à minha filha diziam respeito, e exigi que não me fossem feitos "toques maldosos", a Obstetra ainda insistiu duas vezes enquanto me "avaliava". Mantive-me firme e disse que não. Não fez, mas jurei que não voltava lá.

No dia anterior ao nascimento da minha segunda filha, o meu sogro fez anos e como todos os anos, estava previsto irmos lá almoçar e passar o resto do dia. Nessa manhã, acordei cansada, febril, e sentia necessidade de ficar em casa, sozinha, em silêncio. Insisti com o João para que ele fosse festejar o aniversário do pai com a nossa filha para que eu pudesse descansar e recuperar rapidamente daquele estado que se abateu sobre mim. Mais para a tardinha saíram, e só voltaram à noite. Lembro-me que o descanso não foi pleno, o sono não foi reparador nem tranquilo, bem pelo contrário. A noite foi igual, não conseguia dormir.

Nessa madrugada, por volta das 5h30 fui acordar o João que estava a dormir com a nossa filha no quarto ao lado. Percebi que estava com contrações e pedi para ele me ajudar no alívio massajando o fundo das costas. Foi em vão, mal me tocou rejeitei a massagem, a dor persistiu, intensa. Achei que se fosse para o Hospital naquele momento estaria a ser precipitada, provavelmente ainda nem dilatação tinha. Fui para o duche e o alívio foi imediato, sentia cada contração mas de uma forma mais ligeira e suportável.

Meia hora depois, lembro-me de sentir as pernas bambas, resolvi sair do duche e deitar-me, a intensidade da dor voltou, dilacerante. Decidimos ligar à minha mãe para que viesse ficar com a Eduarda e pudéssemos ir para o Hospital. Um instante depois, vejo sangue a esvair-se de mim. Sem dar conta da progressão, eu estava prestes a ter a minha bebé. O João ligou no mesmo segundo para o INEM, e entretanto chegaram a minha mãe e o meu irmão.

A minha mãe chegou sem saber que ia ver a sua segunda neta nascer - é quase impossível conter as lágrimas sempre que revivo este momento -, sentou-se à minha beira e depois de ter perguntado três vezes se já tínhamos pedido ajuda, disse-me que ia correr bem.
Eu sabia que sim, mas foi bom tê-la ali, do meu lado.

Eu sentia absolutamente tudo! A bebé descia em cada contração eu sabia que estava mesmo ali. Pedi ao João que ligasse de novo ao INEM para o ajudarem a assistir o parto porque ela ia nascer. Não foi preciso, chegaram logo de seguida, para verem a minha bebé nascer nesse mesmo minuto. Um deles veio para a minha beira e o outro encorajou-me a fazer força, porque ia nascer. Assim foi. Senti mesmo a minha bebé a cair na cama, nasceu sozinha. Não foi puxada.

A minha mãe providenciou tudo o que os Técnicos do INEM iam solicitando. Estávamos as duas bem, mas fomos para o Hospital, onde nasceu a placenta e onde fui suturada, fiz uma laceração de grau 1, levei um ou dois pontos. A minha bebé esteve pouco tempo junto a mim, mas ficou sempre no colo de um dos Técnicos, que estava radiante por ter presenciado um nascimento - pelo menos foi a sensação com que fiquei, tenho a imagem do seu sorriso com a minha bebé no colo, gravado na minha memória. Cuidaram muito bem de nós e nunca mais me vou esquecer disso. Lamento não termos tirado a fotografia que pediram. Gostava de ter esta recordação, e sei que eles também.

A minha filha nasceu em casa, com os primeiros raios de sol do dia 27 de Dezembro, na meia luz do nosso quarto, e no calor da sua família. Foi o momento mais intenso da minha vida. A minha bebé e eu, unidas pelo cordão umbilical e pela ambição de um parto fisiológico, com liberdade para sentir e para estar no comando daquela que era a nossa missão. Juntas fomos ao encontro uma da outra, sem a intervenção de absolutamente nada nem ninguém.

Tinha idealizado um parto natural em meio hospitalar. Acabou por ser em casa, e foi um parto que fez nascer uma filha, uma mãe mas acima de tudo, uma nova mulher.

Este é um relato que escrevi originalmente para o Mães.pt, há uns meses atrás. Partilho agora no blog do site com alguns ajustes, e para acrescentar que enquanto reescrevia este relato, cruzei-me com um dos Técnicos do INEM que assistiu o nosso parto, não me contive e corri atrás dele. É o Francisco e deixo aqui o meu agradecimento a ele, ao seu colega e a todos os profissionais que com a sua generosidade e carinho, dão o verdadeiro sentido à sua nobre profissão e à palavra cuidar.

 

 

Ana Luísa Bárbara
Mãe • Fundadora da Braga Materna • Conselheira em Aleitamento Materno • Assessora de Lactação • Doula

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